Assunto pouco tratado no âmbito da doutrina penal, mas bastante comum no cotidiano de muitas pessoas, o Stalking consiste na perseguição deliberada e sistemática perpetrada por um sujeito em relação a outro. Vejamos.
“Após desistir do noivado, no final dos anos 80, dona-de-casa S.A. passou vários meses tentando se livrar do antigo pretendente, que a esperava sair de casa pela manhã, seguia seu ônibus até o trabalho e depois ainda ficava à espreita na porta do trabalho ou da faculdade de administração, que ela cursava à noite. Quando a interpelava, insistia na retomada do noivado.
S.A. até tentou trocar o horário de saída de casa, além do ônibus que usava para chegar ao trabalho, mas não podia mudar os horários do serviço nem das aulas. Para resolver a questão, foi necessária a intervenção de seu pai e seus irmãos, que não sabiam exatamente que problema viviam, mas souberam como resolver, olho no olho.”
Eis um exemplo típico da prática de stalking, uma forma de violência na qual o sujeito ativo invade a esfera de privacidade da vítima, repetindo incessantemente a mesma ação por maneiras e atos variados, empregando táticas e meios diversos: ligações nos telefones celular, residencial ou comercial, mensagens amorosas, telegramas, ramalhetes de flores, presentes não solicitados, monitoramento permanente e invasões ao perfil da vítima em redes sociais da internet, recados em faixas afixadas nas proximidades da residência da vítima, permanência na saída da escola ou do trabalho, espera de sua passagem por determinado lugar, freqüência no mesmo local de lazer, em supermercados, etc.
O sujeito
O sujeito ativo desta conduta, via de regra, é o homem, sendo a mulher o sujeito passivo.
Os motivos
Os motivos do agente costumam ser dos mais diversos: amor, desamor, vingança, ódio, brincadeira, inveja ou qualquer outra causa subjetiva. Na maior parte das vezes, trata-se de um amor incontido, em que o stalker, geralmente do sexo masculino, repete diuturnamente sua manifestação de amor ao sujeito passivo.
O tratamento legal
A conduta do stalker, de perseguir e perturbar a sua vítima, à luz do direito penal brasileiro caracteriza-se como mera contravenção penal, conforme disposto no Decreto-Lei N.º 3.688/1941:
“Art. 65. Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranqüilidade, por acinte ou por motivo reprovável:
Pena – prisão simples, de 15 (quinze) dias a 2 (dois) meses, ou multa.”
Damásio Evangelista de Jesus, grande introdutor da discussão sobre Stalking no direito brasileiro, em entrevista exclusiva ao site Última Instância, disse que “O ‘stalking’ é mais grave que uma lesão corporal grave, que constitui crime,e pela gravidade deveria ser inserido no Código Penal, nos crimes contra a pessoa”.
No mesmo sentido, o renomado criminalista, em artigo publicado no site Jus Navigandi, propõe a tipificação do stalking como crime, no Código Penal, sujeitando seu agente à pena mais grave e compatível com a lesividade da referida conduta:
“Stalking, no País, uma singela contravenção apenada com prisão simples ou multa, constitui fato mais grave do que muitos crimes, como a ameaça e a injúria. É certo que, em muitas hipóteses, esses delitos integram a ação global da perseguição, pelo que o sujeito não deixa de responder por eles em concurso. De ver-se, entretanto, que stalking como fato principal almejado pelo autor é de maior seriedade do que os próprios delitos parcelares. O fato, por essa razão, merece mais atenção e consideração do legislador brasileiro, transformando-se em figura criminal autônoma e mais bem definida.”
Conclusões
Pensamos que razão assiste ao posicionamento de Damásio Evangelista de Jesus relativamente ao tratamento jurídico do Stalking, tendo em vista que se trata de conduta grave com imenso potencial lesivo à vítima, tanto no que se refere aos traumas psicológicos causados a esta, como a ameaça mesma de que, a partir da frustração de seus desejos obsessivos, venha o stalker a progredir para ações mais graves como agressão física e homicídio.
Assim sendo, por mais que se possa questionar a eficiência de um modelo fundado nas penas privativas de liberdade, e não obstante a necessidade de maior estudo sobre o tema, entendemos que em consonância com o atual sistema penal e tendo em vista o princípio da proporcionalidade das penas em relação à gravidade da conduta, deve-se tipificar o stalking como crime contra a pessoa, cominando-lhe pena mais grave.
Referência