O processo penal segue uma marcha, um rito, uma ordenação legal de um conjunto de atos processuais que envolvem a atuação das partes (acusação, réu e defesa) e do magistrado. A uma dada ordenação legal dos atos processuais denominamos rito ou procedimento.
Nos termos do artigo 294, CPP, no processo penal comum há três ritos: ordinário (aplicável para o processo de infrações penais cuja pena máxima for igual ou superior a 04 anos de reclusão – regrado nos artigos 395 a 404, CPP), sumário (aplicável aos crimes cuja pena máxima seja superior a 02 anos e inferior a 04 anos) e sumaríssimo.
Para fins didáticos, e por tratar-se de rito de aplicação subsidiária aos demais, cumpre observar o fluxo do procedimento comum ordinário.
Fluxo do Procedimento Comum Ordinário:
INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR
(Ex: Inquérito Policial – Inquérito Policial Militar – Termo Circunstanciado – Procedimento Investigatório Criminal pelo Ministério Público - Apuração administrativa do Tribunal de Contas – CPI – Auto de infração administrativa)
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OFERECIMENTO DA DENÚNCIA
(Prova da materialidade – existência do fato – e indícios suficientes de autoria)
ARTS. 41 E 46 DO CPP
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RECEBIMENTO DA DENÚNCIA – OU REJEIÇÃO
(ART. 395, CPP)
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RECEBIDA A DENÚNCIA - CITAÇÃO DO ACUSADO
(ART. 396, CPP)
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RESPOSTA À ACUSAÇÃO
(ART. 396-A, CPP)
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APRECIAÇÃO PELO JUIZ ACERCA DA ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA (ART. 397, CPP) OU PROSSEGUIMENTO DO FEITO (ART. 399, CPP)
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AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO
(ART. 400, CPP)
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MEMORIAIS NO PRAZO SUCESSIVO DE 05 DIAS
(ART.403, §3.º, CPP)
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SENTENÇA NO PRAZO DE 10 DIAS
(ART.403, §3.º, CPP)
Obs 1: Fase Recursal - Da sentença caberá apelação a ser interposta no prazo de 05 dias a contar da intimação da sentença criminal, devendo as razões recursais serem apresentadas no prazo de 08 dias a contar da intimação da decisão do juiz de primeiro grau que recebeu o recurso interposto.
Obs 2: Para a DPE, os prazos, por óbvio, são duplicados (artigo 128, I, Lei Complementar 80/1994).
2 - DOS MEMORIAIS OU ALEGAÇÕES FINAIS
2.1 - Alegações finais: orais ou escritas
Os memoriais são o clímax da atuação da defesa técnica em prol do acusado em um processo penal. Nessa peça deve a defesa dizer tudo o que tiver a dizer quanto à prova produzida nos autos com vista a obtenção de uma decisão favorável ao acusado.
A ideia original do legislador, por ocasião da Lei 11.719/2008, a qual reformou os ritos processuais, era trazer para o processo penal comum os princípio da oralidade, informalidade, celeridade e eficiência.
Dessa forma, e tratando das alegações finais das partes, dispõe o estatuto processual que as alegações finais, em regra, serão feitas oralmente ao final da audiência (art. 400, CPP). Apenas excepcionalmente as alegações finais, por decisão fundamentada do magistrado, poderiam ser dar na forma escrita, por memoriais (ART. 403, §3.º, CPP).
Na realidade vivenciada no sistema de justiça criminal, porém, a exceção é a regra (aliás, como se dá em diversas outras situações postas na legislação processual e material penais).
A razão formal costuma ser a complexidade do feito ou o número de acusados (ART. 403, §3.º, CPP).
A razão fática, entretanto, no mais das vezes, é a notória sobrecarga do sistema de justiça que impõe aos magistrados (e também às partes – acusação e defesa) lidar com um volume de processos e um número de audiências que é simplesmente proibitivo para a realização das alegações finais e proferimento da decisão oralmente, para cada caso, na própria audiência.
2.2 - POSIÇÃO NORMATIVA DOS MEMORIAIS ou ALEGAÇÕES FINAIS ESCRITAS
O fundamento legal para os memoriais/alegações finais escritas é o artigo 403, §3.º, CPP (situação mais frequente!) ou o artigo 404, parágrafo único, CPP (na rara hipótese de ter uma das partes solicitada a realização de alguma diligência ao final da audiência de instrução – ex: perícia).
2.3 - ESTRUTURA DA PEÇA
I – Relatório: ponto no qual se busca sintetizar os princípias marcos e acontecimentos do processo.
II - Das Preliminares: ponto no qual devem ser alegadas as questões preliminares ao exame do mérito propriamente dito (materialidade e autoria delitivas), se houver. As preliminares mais frequentes dizem respeito à prescrição, nulidades e ilicitude da prova.
III - Do Mérito: ponto central da peça, no qual devem ser desenvolvidas as teses de mérito, ou seja, aquelas que falam precipuamente da existência do fato, da autoria, da presença de excludentes de tipicidade, ilicitude ou culpabilidade. Em síntese é onde fundamentar-se-ão os pedidos absolutórios. Por isso nesse aspecto cabe analisar um certo modelo de organização lógica para o desenvolvimento das teses.
Como sugestão de conteúdo para o desenvolvimento das teses de mérito há um referencial legal do qual podemos nos valer, a saber, o artigo 386, CPP. Vejamos:
Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:
I - estar provada a inexistência do fato;
II - não haver prova da existência do fato;
III - não constituir o fato infração penal;
IV – estar provado que o réu não concorreu para a infração penal;
V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal;
VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1o do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência;
VII – não existir prova suficiente para a condenação.
Olhando refletidamente o artigo podemos chegar ao seguinte modelo:
I - estar provada a inexistência do fato;
II - não haver prova da existência do fato;
Análise da prova da existência do evento fático – Primeiramente necessário verificar a existência de suporte probatório acerca da existência do evento fático delituoso. Tal deverá ser objeto de apreciação em tópico alusivo à “insuficiência de provas”, primeiro ponto a ser apreciado na análise do mérito.
III - não constituir o fato infração penal;
Análise da tipicidade formal e material do fato provado – o fato provado constitui infração penal? Nesse ponto deve ser atacada a tipicidade formal (adequação típica do fato à norma – subsunção) e material (existência de efetiva ofensa ao bem jurídico tutelado pela norma penal). As teses relativa à atipicidade deverão ser apreciadas em seguida às teses de insuficiência de provas existência do fato imputado e sua autoria.
IV - não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal;
V – estar provado que o réu não concorreu para a infração penal;
Análise da prova quanto à autoria do delito. Também deverá ser objeto de apreciação em tópico alusivo à “insuficiência de provas”, primeiro ponto a ser apreciado na análise do mérito.
VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência;
Presença de excludente da ilicitude ou culpabilidade, ou fundada dúvida acerca de sua incidência – Aqui se deverá apreciar a presença (comprovada) de circunstância que exclua a ilicitude ou culpabilidade, ou, no mínimo, buscar-se-à evidenciar a existência de fundada dúvida acerca da presença de excludente com base no contexto concreto. Devem suceder às teses atinentes à insuficiência de provas e à atipicidade.
VII – não existir prova suficiente para a condenação.
IN DUBIO PRO REO – Aqui resta o fundamento subsidiário. Normalmente é utilizado em situação nas quais há fortes indícios acerca da ocorrência do fato e sua autoria (eis que a insuficiência de provas do existência do fato e sua autoria enseja absolvição com fulcro nos incisos I, II, IV e/ou V), porém há dúvida sobre a tipicidade penal do fato. Ainda, pode ser aventado na hipótese em que a condenação configure manifesta injustiça (ainda que provada a existência do fato, sua autoria e tipicidade).
Simplificando:
- Existência do fato: onde se buscará demonstrar estar provada a inexistência do fato delituoso (hipótese do inciso I, e menos frequente) ou não estar provada a existência do fato (hipótese do inciso II, e mais frequente, consistindo da alegação da insuficiência de provas da existência do fato).
- Autoria do fato: onde se buscará demonstrar estar provado que o réu não concorreu para o crime (hipótese do inciso IV, onde fica demonstrado que o autor era pessoa diversa) ou não estar provado que o réu concorreu para o crime (hipótese do inciso V, onde se afirma não existir prova suficiente de que o réu é o autor do fato)
- Existência de Excludente da Tipicidade: hipótese de inciso III, aqui se buscará demonstrar a incidência de excludente da tipicidade do fato, seja porque ausente prova da presença de elementar típica (elementos objetivos, subjetivos ou normativos do tipo – exclusão da própria tipicidade formal) ou porque incidência concretamente causa de exclusão da tipicidade material (ex: princípio da insignificância). Apenas para relembrar, a tipicidade divide-se entre formal (mera adequação típica do fato ao enunciado normativo) e material (demonstração de concreta ofensa ao bem jurídico tutelado pela norma). Aqui ainda cabe ponderar a possibilidade de dúvida sobre a tipicidade do fato, hipótese de incidência do fundamento subsidiário do inciso VII.
- Existência de Excludente da Ilicitude ou Culpabilidade: hipótese do inciso VI. A excludente poder estar provada ou simplesmente existir fundada dúvida sobre sua existência.
- IN DUBIO PRO REO: O inciso VII é a hipótese subsidiária às demais.
Ao formular as teses de mérito deve-se seguir a seguinte ordenação:
DO MÉRITO:
...1 – Insuficiência probatória (Insuficiência de provas quanto à existência do fato e à autoria delitiva)
...2 – Excludente de tipicidade
...3 – Excludentes de ilicitude e culpabilidade
IV - Das teses subsidiárias: tratam-se das teses subsidiárias ao mérito, notadamente àquelas que se referem ao afastamento de majorantes e agravantes, concurso de crimes (material, formal, crime continuado). É o ponto onde deverão ser desenvolvidas àquelas teses que não conduzem à absolvição, mas sim a uma condenação justa (para o réu).
Ex:
...SUBSIDIARIAMENTE:
...1 – Desclassificação para delito menos gravoso...
...3 – Afastamento da qualificadora / majorante / agravante...
...6 – Reconhecimento da minorante / atenuante
V – Dos pedidos: É o ponto onde devem ser deduzidos os pedidos de forma sintética, clara e direta.