domingo, 28 de fevereiro de 2010

Maria da Penha - STJ dispensa representação da vítima e Legislativo quer rever lei


A Lei Maria da Penha (Lei n. 11340/2006), que criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, desperta polêmica no Superior Tribunal de Justiça (STJ) desde sua promulgação. Principalmente sobre a natureza jurídica da ação penal, se condicionada ou não. Ou seja, pode a ação penal com base nessa lei ser proposta pelo Ministério Público ou ter continuidade independentemente da vontade da vítima?

Apesar de, inicialmente, se ter considerado dispensável a representação da vítima, a jurisprudência do Tribunal se firmou no sentido que culminou no julgamento pela Terceira Seção, na última quarta-feira (24): é imprescindível a representação da vítima para propor ação penal nos casos de lesões corporais leves decorrentes de violência doméstica.

A lei, promulgada em 2006, não afirma que a ação penal pública a respeito de violência doméstica tem natureza jurídica incondicionada, ou seja, que pode ser proposta independentemente da vontade da vítima. O artigo 16 da lei dispõe que, “nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público”.

Tanto a Quinta quanto a Sexta Turmas, que juntas formam a Terceira Seção do Tribunal, vêm interpretando que a Lei Maria da Penha é compatível com o instituto da representação, peculiar às ações penais públicas condicionadas.

Nesse julgamento, ocorrido conforme o rito da Lei dos Recursos Repetitivos, o ministro Jorge Mussi refere-se a ensinamento da jurista brasileira Maria Lúcia Karam, citada pela ministra Maria Thereza de Assis Moura em outro processo.

"Quando se insiste em acusar da prática de um crime e ameaçar com uma pena o parceiro da mulher contra a sua vontade, está se subtraindo dela, formalmente ofendida, o seu direito e o seu anseio a livremente se relacionar com aquele parceiro por ela escolhido. Isto significa negar o direito à liberdade de que é titular para tratá-la como coisa fosse, submetida à vontade dos agentes do Estado, que, inferiorizando-a e vitimando-a, pretendem saber o que seria melhor para ela, pretendendo punir o homem com quem ela quer se relacionar. E sua escolha há de ser respeitada, pouco importando se o escolhido é, ou não, um agressor, ou que, pelo menos, não deseja que seja punido”.

Ele ainda transcreveu, na mesma ocasião, Maria Berenice Dias, segundo a qual:

"Não há como pretender que se prossiga uma ação penal depois de o juiz ter obtido a reconciliação do casal ou ter homologado a separação com definição de alimentos, partilhas de bens e guarda de visita. A possibilidade de trancamento do inquérito policial em muito facilitará a composição dos conflitos, envolvendo as questões de Direito de Família, que são bem mais relevantes do que a imposição de uma pena criminal ao agressor. A possibilidade de dispor da representação revela formas por meio das quais as mulheres podem exercer o poder na relação com os companheiros".

O entendimento do ministro Mussi, no sentido da necessidade de representação da vítima para que seja proposta ação penal prevaleceu sobre o do relator, ministro Napoleão Nunes Maia Filho, que entendia que a ação neste caso é pública e incondicionada.

Essa mesma conclusão se deu durante o julgamento de um habeas corpus (HC 110965) na Quinta Turma. O entendimento do ministro Arnaldo Esteves Lima prevaleceu sobre o da relatora, ministra Laurita Vaz, concluindo que o processamento do ofensor, mesmo contra a vontade da vítima, não é a melhor solução para as famílias que convivem com o problema da violência doméstica, pois a conscientização, a proteção das vítimas e o acompanhamento multidisciplinar com a participação de todos os envolvidos são medidas juridicamente adequadas, de preservação dos princípios do direito penal e que conferem eficácia ao comando constitucional de proteção à família.

Na Sexta Turma, em um primeiro momento os ministros entenderam que a ação penal pública é incondicionada. Esse entendimento, contudo, mudou, passando a ser no sentido da obrigatoriedade de representação da vítima para a propositura da ação.

O decano do STJ, ministro Nilson Naves, destacou, durante julgamento na Sexta Turma, da qual faz parte, que, na mesma Lei n. 11.340, admite-se representação e se admite seja ela renunciada. É isso que estatui o artigo 16. Com isso, entende que, se não se apagou de todo a representação, admite-se que se invoque ainda o artigo 88 da Lei n. 9.099, segundo o qual, "além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas".

Para Nilson Naves, é mais prudente que, nesses casos, a ação penal, assim como a renúncia, dependa de representação da ofendida.

Aperfeiçoamento da lei

A questão também está em debate no Legislativo Federal. Na Câmara, um projeto de lei propõe a alteração do artigo 16 da Lei Maria da Penha.

A autora da proposta, deputada federal Dalva Figueiredo (PT/AP), reconhece que a interpretação que os tribunais vêm dando ao artigo 16 da lei faz necessária a alteração na norma. Ela justifica a proposição como forma, não só de reafirmar os objetivos iniciais na elaboração da Lei Maria da Penha, mas de tornar mais clara a norma, de modo a impedir interpretações divergentes, estabelecendo como regra a ação penal pública incondicionada – aquela que dispensa a manifestação da vítima para que o Ministério Público possa propor ação penal.

Se aprovado o projeto de lei, ficará estabelecido que a ação penal nos crimes de violência doméstica ou familiar contra a mulher é pública incondicionada. Pelo projeto, o artigo 16 ganhará dois parágrafos e passará a ter a seguinte redação:

“Art. 16. São de Ação Penal Pública Incondicionada os crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher definidos nesta Lei.

§1º. Nos crimes de que trata o caput deste artigo, procede-se mediante representação da ofendida apenas nos casos de ameaça ou naqueles que resultam lesões leves ou culposas.

§2º No caso do §1º deste artigo, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.”

Outros casos

Namoro, noivado, casamento. Não importa o nível de relacionamento. O STJ vem entendendo que qualquer relacionamento amoroso pode terminar em processo judicial com aplicação da Lei Maria da Penha, se envolver violência doméstica e familiar contra a mulher.

A Terceira Seção reconheceu, recentemente, a possibilidade de aplicação da lei nas relações de namoro, independentemente de coabitação. No entanto, segundo o colegiado, deve ser avaliada a situação específica de cada processo, para que o conceito de relações íntimas de afeto não seja ampliado para abranger relacionamentos esporádicos ou passageiros.

“É preciso existir nexo causal entre a conduta criminosa e a relação de intimidade existente entre autor e vítima, ou seja, a prática violenta deve estar relacionada ao vínculo afetivo existente entre vítima e agressor”, salientou a ministra Laurita Vaz. No processo, mesmo após quase dois anos do fim do namoro, o rapaz ameaçou a ex-namorada de morte quando ficou sabendo que ela teria novo relacionamento. O STJ determinou que a ação seja julgada pela Justiça comum, e não por Juizado Especial Criminal, como defendia o advogado do acusado da agressão.

Em outra questão sobre a Lei Maria da Penha e namoro, a Sexta Turma concluiu ser possível o Ministério Público (MP) requerer medidas de proteção à vítima e seus familiares, quando a agressão é praticada em decorrência da relação. Para a desembargadora Jane Silva, à época convocada para o STJ, quando há comprovação de que a violência praticada contra a mulher, vítima de violência doméstica por sua vulnerabilidade e hipossuficiência, decorre do namoro e de que essa relação, independentemente de coabitação, pode ser considerada íntima, aplica-se a Lei Maria da Penha.

Mesmo se a relação já se extinguiu, a Terceira Seção reconheceu a aplicabilidade da norma. “Configura violência contra a mulher, ensejando a aplicação da Lei n. 11.340/2006, a agressão cometida por ex-namorado que não se conformou com o fim de relação de namoro, restando demonstrado nos autos o nexo causal entre a conduta agressiva do agente e a relação de intimidade que existia com a vítima”, resumiu o ministro Jorge Mussi, ao determinar que o caso fosse julgado em uma vara criminal e não em juizado especial criminal.

Para o magistrado, o caso do ex-casal se amolda perfeitamente ao previsto no artigo 5º, inciso III, da Lei n. 11.343/2006, já que caracterizada a relação íntima de afeto, em que o agressor conviveu com a ofendida por 24 anos, ainda que apenas como namorados, “pois aludido dispositivo legal não exige a coabitação para a configuração da violência doméstica contra a mulher”.

Fonte: Superior Tribunal de Justiça - STJ, disponível em 28 fev. 2010

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

STJ: É necessária a representação da vítima de violência doméstica para propositura de ação penal

Por maioria, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu ser necessária a representação da vítima no casos de lesões corporais de natureza leve, decorrentes de violência doméstica, para a propositura da ação penal pelo Ministério Público. O entendimento foi contrário ao do relator do processo, ministro Napoleão Nunes Maia Filho.

O relator considerava não haver incompatibilidade em se adotar a ação penal pública incondicionada nos casos de lesão corporal leve ocorrida no ambiente familiar e se manter a sua condicionalidade no caso de outros ilícitos.

Segundo o ministro, não é demais lembrar que a razão para se destinar à vítima a oportunidade e conveniência para instauração da ação penal, em determinados delitos, nem sempre está relacionada com a menor gravidade do ilícito praticado.

“Por vezes, isso se dá para proteger a intimidade da vítima em casos que a publicidade do fato delituoso, eventualmente, pode gerar danos morais, sociais e psicológicos. É o que se verifica nos crimes contra os costumes. Assim, não há qualquer incongruência em alterar a natureza da ação nos casos de lesão corporal leve para incondicionada enquanto se mantêm os crimes contra os costumes no rol dos que estão condicionados à representação”, afirmou. O ministro Og Fernandes e o desembargador convocado Haroldo Rodrigues acompanharam o voto do relator.

Entretanto, o entendimento predominante considerou mais salutar admitir-se, em tais casos, a representação, isto é, que a ação penal dependa da representação da ofendida, assim como também a renúncia. Para o decano da Seção, ministro Nilson Naves, “a pena só pode ser cominada quando for impossível obter esse fim através de outras medidas menos gravosas”.

Além do ministro Nilson Naves, divergiram do entendimento do relator os ministros Felix Fischer, Arnaldo Esteves Lima, Maria Thereza de Assis Moura, Jorge Mussi e o desembargador convocado Celso Limongi.

Recurso

A questão foi apreciada em um recurso especial destacado pelo ministro Napoleão Nunes Maia Filho como representativo dessa discussão para ser julgado pelo rito da Lei dos Recursos Repetitivos (Lei n. 11.672/2008), diante dos inúmeros recursos que chegam ao STJ sobre esse ponto da lei.

O recurso foi interposto pelo Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios com o objetivo de reverter decisão do tribunal local que entendeu que “a natureza da ação do crime do artigo 129, parágrafo 9º, do Código Penal é pública condicionada à representação”.

Para o TJ, o artigo 41 da Lei n. 11.340/06, ao ser interpretado com o artigo 17 do mesmo diploma, apenas veda os benefícios como transação penal e suspensão condicional do processo nos casos de violência familiar. Assim, julgou extinta a punibilidade (cessação do direito do Estado de aplicar a pena ao condenado devido à ação ou fato posterior à infração penal) quando não há condição de instaurar processo diante da falta de representação da vítima.

No STJ, o MP sustentou que o crime de lesão corporal leve sempre se processou mediante ação penal pública incondicionada, passando a exigir-se representação da vítima apenas a partir da Lei n. 9.099/95, cuja aplicação foi afastada pelo artigo 41 da Lei n. 11.340/06 (Lei Maria da Penha).

Fonte: Superior Tribunal de Justiça - STJ, disponível em 24 fev. 2010

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

STJ: É legal prisão feita em flagrante por guardas municipais

“Se a qualquer do povo é permitido prender quem quer que esteja em flagrante delito, não há falar em proibição ao guarda municipal de proceder à prisão.”
Ministro Arnaldo Esteves Lima


É perfeitamente legal a prisão efetuada por guardas municipais, ainda que tal atividade não esteja inserida no rol de suas atribuições constitucionais, por ser ato de proteção à segurança social. A conclusão é da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao negar habeas corpus a condenado por tráfico de drogas em São Paulo, por meio do qual a defesa pedia a nulidade do processo e da sentença condenatória, sustentando a ilegalidade da prisão feita por guardas municipais.

No habeas corpus dirigido ao STJ, a defesa alegou constrangimento ilegal consistente na prisão feita por autoridade incompetente, fator que vicia todo o processo. Em liminar, já haviam pedido que fosse declarado nulo o processo, bem como o decreto condenatório. Requereram, ao final, o relaxamento da prisão.

A liminar foi indeferida pelo ministro Arnaldo Esteves Lima, relator do caso. Ao examinar o mérito, agora pela Turma, a prisão foi mantida. “Eventual irregularidade praticada na fase pré-processual não tem o condão de inquinar de nulidade a ação penal, se observadas as garantias do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, restando, portanto, legítima a sentença condenatória”, asseverou o ministro.

O relator observou que, mesmo não sendo a prisão atribuição dos guardas municipais prevista constitucionalmente, trata-se de ato legal, em proteção à segurança social, razão pela qual não resta eivada de nulidade.

Segundo lembrou o ministro, a constituição estabelece, no artigo 144, parágrafo 8º, que os municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme disposição da lei, e o artigo 301 do Código de Processo Penal prevê a prisão de qualquer um encontrado em flagrante. “Se a qualquer do povo é permitido prender quem quer que esteja em flagrante delito, não há falar em proibição ao guarda municipal de proceder à prisão”, concluiu Arnaldo Esteves Lima

Fonte: Superior Tribunal de Justiça - STJ, disponível em 18 fev. 2010

Veja a decisão na íntegra.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

A questão da inviolabilidade do domicílio

"O homem mais pobre desafia em sua casa todas as forças das Coroa, sua cabana pode ser muito frágil, seu teto pode tremer, o vento pode soprar entre as portas mal ajustadas, a tormenta pode nela penetrar, mas o Rei da Inglaterra não pode nela entrar"[1]
Lord Chatham

A inviolabilidade do domicílio é garantia fundamental do indivíduo, nos termos da Constituição Federal, em seu Artigo 5.º, inciso XI, objeto importante de estudo e temática de conhecimento corriqueiramente exigido em provas de concursos públicos.

Diz o referido dispositivo constitucional:
"Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residente no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade, nos termos seguintes: (...) XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;"[2]


Desse modo, via de regra, ninguém pode entrar na casa alheia sem o consentimento do morador, devendo ser entendido por casa o lugar onde uma pessoa vive ou trabalha, não acessível ao público em geral, reservado à sua intimidade e à sua vida privada. Considera-se domicílio, pois, para fins do texto constitucional, todo local, delimitado e separado, por alguém ocupado de modo exclusivo a qualquer título, inclusive profissionalmente.

Com efeito, a própria Constituição estabelece, de modo taxativo, as exceções à imunidade domiciliar. Nesse sentido, somente é possível entrar na casa sem o consentimento do morador nas seguintes hipóteses:

Durante o dia
:
  • a) em caso de flagrante delito;
  • b) em caso desastre;
  • c) para prestar socorro;
  • d) POR DETERMINAÇÃO JUDICIAL.

Durante a noite:

  • a) em caso de flagrante delito;
  • b) em caso desastre;
  • c) para prestar socorro.
Do exposto pode-se concluir que a entrada no domicílio sem o consentimento do morador por ordem judicial somente poderá ocorrer durante o dia.

Pois bem, mas qual o critério utilizado para determinar-se o que vem a ser dia ou noite para fins de inviolabilidade do domícilio? Para responder a esta questão tem-se de observar dois posicionamentos doutrinários:
(a) O primeiro, ao qual adere José Afonso da Silva , defende que dia é o horário compreendido entre as 06h (seis horas) e as 18h (dezoito horas). [3]
(b) O segundo, defendido por Celso de Mello e outros constitucionalistas de renome, entende ser válido o critério físico-astronômico, compreendo-se por dia o intervalo de tempo entre a aurora e o crepúsculo.


Dentre estas duas linhas de interpretação, o entendimento predominante exarado nas decisões do tribunais brasileiros é aquele segundo o qual por dia deve entender-se o período de tempo compreendido entre o nascer do sol e seu crepúsculo (critério físico-astronômico).

Não obstante, Alexandre de Moraes defende uma terceira posição, a qual chama de critério misto, referindo o seguinte:
"(...) a aplicação conjunta de ambos os critérios alcança a finalidade constitucional de maior proteção ao domicílio durante a noite, resguardando-se a possibilidade de invasão domiciliar com autorização judicial, mesmo após as 18:00 horas, desde que, ainda, não seja noite (por exemplo: horário de verão)."[4].
No entanto, tributado o devido respeito e reconhecimento ao Professor Alexandre de Moares, analisando-se a tese do ilustre constitucionalista não se consegue vislumbrar nenhuma diferença entre tal critério misto e o critério físico-astronômico, eis que conforme o trecho transcrito, independentemente do horário não se poderia invadir o domicílio alheio por determinação judicial caso já fosse noite.

Por fim, vale frisar que nenhuma garantia constitucional, mesmo em se tratando de tutela de direito fundamental e historicamente reconhecido como no caso em tela, pode servir de escudo para a impunidade de crimes, pois a ninguém é lícito beneficiar-se da própria torpeza.

Notas:

[1] MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais, 8.ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 136
[2] REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Constituição Federal.
[3] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 30.ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 437-438
[4] MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais, 8.ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 137



A Prisão Cautelar e a Garantia da Ordem Pública¹

Por Guilherme de Souza Nucci²

A liberdade é a regra; a prisão, uma exceção. Nada mais correto em matéria de preservação dos direitos e garantias humanas fundamentais do que se buscar manter, sempre que possível, a liberdade do indivíduo. Afinal, consagra-se, por tal mecanismo, o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5o, LVII, CF). Por outro lado, assegurada que foi, como direito humano fundamental, a segurança (art. 5o, caput, CF), não se pode perder de vista a ideal composição e harmonia do sistema, sopesando-se o indeclinável contraste entre o interesse do indivíduo e o da sociedade.

Por isso, embora todo acusado seja considerado inocente até o trânsito em julgado de decisão criminal condenatória, torna-se viável a ocorrência de sua prisão cautelar, quando indispensável, dentre outros fatores, à garantia da ordem pública. O direito à segurança não pode ser olvidado, unicamente pelo fato de haver sido previsto o direito à presunção de inocência. Pode-se, perfeitamente, compatibilizar os interesses. Caso seja necessária a decretação da custódia cautelar de um indiciado ou acusado, não se passa, em decorrência disso, a considerálo culpado. Continuará a ser tratado como pessoa inocente, ainda que esteja privado de sua liberdade. A origem e a fundamentação da segregação têm bases diversas, não dizendo respeito à culpa ou inocência, mas à necessidade de se prender aquele que, de outra forma, colocaria em risco o direito de outros indivíduos à segurança.

O artigo 312 do Código de Processo Penal fornece os alicerces para a compreensão e para a utilização da prisão cautelar, de um modo geral. É fundamental existir prova da existência do crime (materialidade) e indícios suficientes de autoria. Associado a ambos os requisitos, acrescenta-se mais um, pelo menos: a) garantia da ordem pública; b) garantia da ordem econômica; c) conveniência da instrução criminal; d) garantia de aplicação da lei penal.

O mais polêmico dos requisitos alternativos, que abrange o mais vasto campo para divergência, segundo nos parece, é a garantia da ordem pública. Em primeiro lugar, pela própria interpretação dessa expressão. Como se pode pensar em assegurar a ordem pública por meio da prisão, por exemplo, de apenas uma pessoa? Por acaso, a sociedade aquietaria seus ânimos e a vida transcorreria sob o prisma ideal simplesmente porque este ou aquele indivíduo foi detido? É evidente que não se pode elevar a ordem pública a uma categoria por demais envolvente. Em grandes metrópoles, afinal, a prisão de uma pessoa nem mesmo é conhecida da imensa maioria da população local.

Diante disso, a análise da expressão colocada em destaque deve ser feita dentro de limites mais modestos, voltando-se a uma comunidade determinada qualquer (rua, bairro, pequena cidade, zona rural etc.). Assim idealizada, a ordem pública ganha o contorno local ou regional, mas jamais, como regra, estadual ou nacional. A conseqüência é óbvia: a prisão cautelar de um indivíduo, ilustrando, acusado de matar inúmeras pessoas no bairro onde vive, desde que existam indícios suficientes de autoria e prova da materialidade dos delitos, pode, sem dúvida, garantir a tranqüilidade dos moradores daquela localidade. Cuida-se, pois, do asseguramento da ordem pública.

Sob outro prisma, quanto aos elementos essenciais para a configuração desse requisito da prisão preventiva, deve-se empreender uma verificação a contrário senso. Em outras palavras, se o magistrado não decretar a prisão cautelar, qual seria o resultado fático dessa postura? Havendo inquietude espalhada por um número indeterminado de pessoas, começa-se a firmar a desordem pública. Logo, caberia a decretação da prisão cautelar.

Em conseqüência, tanto a doutrina como a jurisprudência vêm fornecendo um rol quase infindável de motivos para sustentar a prisão preventiva com base na garantia da ordem pública. Segundo nos parece, um binômio não pode ser afastado: gravidade da infração penal + repercussão social. A título de ilustração, um homicídio qualificado pela torpeza, crueldade e traição, cuja vítima era pessoa estimada em determinada localidade (ou mesmo em nível nacional), provoca imenso desassossego a quem disso tem ciência. Projeta-se, como é natural do ser humano, a sensação de que inexiste segurança pública, pois “até Fulano” já foi atingido. Ora, o crime cometido de maneira perversa, capaz de chocar a moralidade média, lesando valor fundamental (como é a vida humana), cuja motivação é repugnante (torpeza), torna-se mecanismo viável para gerar a intranqüilidade de muitos. Aliás, quanto menor a localidade onde se der o delito, maior será a sensação de desordem pública.

Além desse binômio, pode-se acrescer a análise dos antecedentes do agente. Aquele que possui variados antecedentes criminais, demonstrando não ter sido a sua primeira infração, precisa ser avaliado com maior acuidade. Não nos parece lógico, em outra ilustração, permitir fique em liberdade, aguardando a finalização de um processo cuja imputação é de roubo seguido de morte (latrocínio), o réu de maus antecedentes, mormente se estes disserem respeito a outros crimes violentos contra a pessoa. A inquietação social poderia emergir de maneira natural.

Atualmente, outro fator que demanda atenção é o envolvimento do agente com o crime organizado. Dependendo da gravidade da infração, a associação criminosa torna-se elemento de destaque para que o juiz analise a necessidade da custódia cautelar. Um homicídio passional, cometido por réu primário, sem antecedentes, embora ilícito penal, não gera, necessariamente, a prisão preventiva, até pelo fato de, muitas vezes, não ser capaz de provocar desassossego coletivo. Tal situação é lógica, pois quem toma conhecimento da infração penal não se vê como vítima em potencial. O crime teve por motivação a paixão, algo que, como regra, nasce, vive e desaparece naquela relação entre autor e vítima, não se espalhando para outros cantos. Entretanto, um homicídio cometido por integrante de quadrilha, réu reincidente, com maus antecedentes, visando eliminar a testemunha de outro crime qualquer é, sem dúvida, diferente. Quem desse fato toma conhecimento projeta-se para o cenário do delito, imaginando que, no futuro, qualquer pessoa de seu relacionamento poderia ser abatida pelo agente, desde que conveniente à organização criminosa. É o desassossego, abalando a ordem pública.

A prisão preventiva, quando seus requisitos estiverem nitidamente presentes, precisa ser decretada, sob pena de produzir o descrédito em relação ao Poder Judiciário. Afinal, da mesma forma que o indivíduo possui, na figura do magistrado, quem lhe pode assegurar a liberdade, em contraposição à força do Estado, é preciso considerar que a sociedade, como um todo, também crê na magistratura, respeitadas as regras do Estado Democrático de Direito, para fazer cessar, em breve tempo, agressões aos direitos humanos fundamentais. A garantia da ordem pública, por isso, não é fator estanque, merecendo análise criteriosa em cada caso concreto.

1. Artigo publicado no periódico Carta Forense. Edição n.º 57, Fevereiro de 2008.
2. Juiz de Direito em São Paulo; Livre-Docente em Direito Penal pela PUC/SP; Doutor e Mestre em Processo Penal pela PUC/SP. Autor de diversas obras publicadas pela Editora RT.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Matrícula 2010 - Faculdade de Direito - UFPel


O período de férias para os alunos da Faculdade de Direito já se encaminha para a reta final. Assim repasso à seguir as datas e horários para a MATRÍCULA 2010 - DIREITO UFPel:

DIA 22 DE FEVEREIRO 6.º ANO MANHÃ 08:15 ÀS 09:30 HORAS

6.º ANO NOITE 17:30 ÀS 19:00 HORAS

DIA 23 DE FEVEREIRO 5.º ANO MANHÃ 08:15 ÀS 09:30 HORAS
5.º ANO NOITE 17:30 ÀS 19:00 HORAS

DIA 24 DE FEVEREIRO 4.º ANO MANHÃ 08:15 ÀS 09:30 HORAS
4.º ANO NOITE 17:30 ÀS 19:00 HORAS

DIA 25 DE FEVEREIRO 3.º ANO MANHÃ 08:15 ÀS 09:30 HORAS
3.º ANO NOITE 17:30 ÀS 19:00 HORAS

DIA 26 DE FEVEREIRO 2.º ANO MANHÃ 08:15 ÀS 09:30 HORAS
2.º ANO NOITE 17:30 ÀS 19:00 HORAS

O ano letivo 2010 começará no dia 03 de março, sendo que somente a partir desta data poderão ser requeridos atestados de matrícula. Maiores informações e os formulários para a matrícula se encontram disponíveis no link "documentos" do site do curso de direito.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Dados do Relatório Anual evidenciam tendência de aumento no número de ações ajuizadas no RS


O TJRS divulgou o Relatório Anual, que retrata a movimentação processual do Poder Judiciário Estadual em 1º e 2º Graus e na Justiça Especial. Além dos 3,3 milhões de processos que tramitavam no início do ano, ingressaram novos 2,86 milhões de processos (150 mil a mais que em 2008). Desse total, foram encerrados 2,49 milhões (70 mil a mais que o ano anterior), seguindo em tramitação 3,67 milhões.

2º Grau

Com relação às atividades do Tribunal de Justiça, houve um aumento de 14,24% no ingresso de ações. Os novos processos cíveis passaram de 590.203 em 2008 para 674.331 em 2009 (totalizando 630.996 cíveis e 43.335 criminais). Os processos terminados também acompanharam tendência de aumento (18,22%). Enquanto em 2008 findaram-se 514.843 processos, o ano de 2009 fechou com 608.665 encerrados (567.682 cíveis e 40.983 criminais).

1º Grau

Foram ajuizados 1,54 milhão de feitos, percentual 1,78% maior que em 2008, tendo sido encerrados 1,27 milhão. Seguem em tramitação 2,9 milhões.

Justiça Especial

Os Juizados Especiais registraram acréscimo de 4,73% no volume de processos distribuídos em 2009 (582.016), e de 8% nos julgados, que somaram 551.039.

As Turmas Recursais tiveram ingresso de 66.570 (30% superior a 2008), com encerramento de 60.466 (33% a mais que no ano anterior).

Evolução em 10 anos

A evolução no número de processos iniciados de 2000 a 2009 demonstra que, em uma década, mais que dobrou o ajuizamento de novas ações, saltando de 1,22 milhão para 2,86 milhões. O mesmo se observa com relação ao volume de processos encerrados que, no período, saltou de 1,045 milhão para 2,49 milhões.

No 2º Grau, o crescimento no volume de novas ações praticamente foi quintuplicado em 10 anos, passando de 141.944 em 2000 para 674.331, em 2009. Os julgamentos superaram esta tendência, com produtividade aumentada em seis vezes: de 110.454 para 608.668 processos finalizados no período. Em contrapartida, o número de magistrados ficou praticamente inalterado no período: de 2000 a 2008 o TJRS contou com quadro de 125 Desembargadores, passando a 140 julgadores a partir de 2009.

A movimentação do 1º Grau mais que dobrou, saltando de 734.199 ajuizados em 2000 para 1,54 milhão em 2009. A produtividade do Judiciário acompanhou a tendência de crescimento em uma década, passando de 603.855 terminados para 1,27 milhão, embora no período, o contingente de magistrados pouco tenha se modificado: em 2000 eram 563 e, em 2009, 641; o número de varas passou de 467 para 537; e a média de processos em tramitação por vara saltou de 1.783 para 5.580.

Nos Juizados especiais, o aumento em uma década se repete: de 334.843 passou-se a 582.016 novas ações, e de 315.251 para 551.039 terminadas. A curva ascendente se mantém com referência às Turmas Recursais, que tiveram 16.895 processos distribuídos em 2000 e 66.570 no ano de 2009, tendo encerrado nesses anos, respectivamente, 16.404 e 60.466.

Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul - TJRS, disponível em 01 de fevereiro de 2010

Tribunais devem informar CNJ sobre numeração única

Chegamos à 2010 e o CNJ traz mais mudanças para os processos com vistas à uma Justiça mais segura, célere e eficiente.

Termina na segunda-feira (8/2) o prazo para os tribunais brasileiros informarem ao Conselho Nacional de Justiça se adotaram a numeração única de identificação dos processos em tramitação. Os tribunais tiveram um ano para se adaptar ao novo sistema, a partir da publicação da Resolução 65, em dezembro de 2008.

Pelo método atual, os processos recebem uma numeração na comarca de origem, outra quando chegam na primeira e segunda instâncias, e um terceiro se seguirem para tribunal superior o que dificulta o acompanhamento da tramitação. Com a nova regra, o processo terá uma numeração única desde a sua origem até a instância máxima de recurso. A medida vale para todas as esferas do Judiciário brasileiro, federal, estadual, eleitoral, militar e do trabalho. Todos os processos ajuizados na Justiça brasileira vão receber a nova numeração, inclusive os já em tramitação. Nesse caso, também serão mantidos os números anteriores apenas para efeito de consulta.

Com a nova regra, na data de entrada na Justiça, cada processo receberá um número com 20 dígitos. Os sete primeiros algarismos identificam o número sequencial dado pela vara ou pelo juízo de origem. Os dois números seguintes corresponderão ao dígito verificador que autentica a validade da numeração. Os quatro números seguintes corresponderão ao ano de início do processo, seguido de mais um número, que classificará o ramo da Justiça. Na sequência, mais dois números indicarão o tribunal e os quatro números finais são relativos à vara originária do processo.

A informação sobre o cumprimento da resolução deve ser enviada pelos tribunais ao CNJ, por meio do sistema eletrônico de processo do Conselho.

Fonte: Consultor Jurídico - Conjur, disponível em 07 de fevereiro de 2010