Situação relativamente frequente na prática forense é a dinâmica de oitiva de testemunhas na qual o representante da acusação, ou mesmo o magistrado, não logrando êxito em extrair uma narrativa coerente acerca dos fatos de parte daquele que presta depoimento passa à leitura das declarações prestadas pela pessoa em sede policial e, em seguida, questiona se confirma aquela declaração.
Nesse contexto, o depoente acaba confirmando o teor daquela declaração relativa a fatos e em termos que sequer recordava no momento em que era questionado em juízo. Tal, porém, certamente não passa de longínquo simulacro de prova oral.
De fato, somente se pode considerar como prova no processo penal aquela que foi produzida sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, ou seja, somente é prova aquela realizada em juízo (artigo 155, caput, Código de Processo Penal), caso contrário, estar-se-á ante meros elementos informativos suficientes ou não para o oferecimento da denúncia.
E somente pode ser tido como prova oral aquilo que o depoente recorda na ocasião que é ouvida em juízo, aquilo que espontaneamente responde acerca do evento questionado a partir de suas memórias no instante no qual é perguntado.
Assim, não há como valorar-se como prova oral judicial a mera leitura dos elementos obtidos na fase pré-processual, seguidos da ratificação pela testemunha. Tal não é produção de prova oral originária.
Tal procedimento é manifestamente vicioso e inapto a produzir prova hábil a sustentar um decreto condenatório:
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO. AUDIÊNCIA DE TESTEMUNHAS DE ACUSAÇÃO. (1) ART. 212 DO CPP. ORDEM DAS PERGUNTAS. MAGISTRADO QUE PERGUNTA PRIMEIRO. NULIDADE RELATIVA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. ILEGALIDADE. NÃO RECONHECIMENTO (RESSALVA DE ENTENDIMENTO DA RELATORA). (2) COLHEITA DE DEPOIMENTO. LEITURA DAS DECLARAÇÕES PRESTADAS PERANTE A AUTORIDADE POLICIAL. RATIFICAÇÃO. NULIDADE.RECONHECIMENTO. 1. O entendimento que prevaleceu nesta Corte é de que, invertida a ordem de perguntas, na colheita de prova testemunhal (CPP, art. 212,redação conferida pela Lei n. 11.690/2008), tem-se caso de nulidade relativa, a depender de demonstração de prejuízo - o que não se apontou. Ressalva de entendimento da Relatora. 2. A produção da prova testemunhal é complexa, envolvendo não só o fornecimento do relato, oral, mas, também, o filtro de credibilidade das informações apresentadas. Assim, não se mostra lícita a mera leitura pelo magistrado das declarações prestadas na fase inquisitória, para que a testemunha, em seguida, ratifique-a. 3. Ordem concedida para para anular a ação penal a partir da audiência de testemunhas de acusação, a fim de que seja refeita acolheita da prova testemunhal, mediante a regular realização das oitivas, com a efetiva tomada de depoimento, sem a mera reiteração das declarações prestadas perante a autoridade policial.(STJ - HC: 183696 ES 2010/0160319-0, Relator: MIN. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 14/02/2012, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/02/2012)
Nesse sentido inclusive já manifestou o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
APELAÇÃO. TRÁFICO DE DROGAS. PROVA. DESCLASSIFICAÇÃO. 1. Considerando a insuficiência de provas a demonstrar a circulabilidade da droga (nos autos há apenas indícios consubstanciados em informações anônimas, mas nada de concreto); que as investigações feitas pela polícia em outras oportunidades foram infrutíferas, tal como os próprios policiais sustentaram em seus depoimentos, bem como que com o réu foram apreendidos cachimbos para fumar crack, somada a alegação no sentido de ser usuário, entendo que a melhor solução para o feito é a desclassificação para o uso. 2. Ademais, a única testemunha capaz de confirmar a traficância apenas limitou-se a confirmar a leitura do depoimento prestado em sede policial, o que é vedado pelo STJ. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. PRELIMINAR PREJUDICADA. (Apelação Crime Nº 70051120780, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nereu José Giacomolli, Julgado em 13/12/2012)
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