quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Tráfico privilegiado - Parte I: Fração redutora deve partir do máximo!

A fixação da fração redutora relativa ao tráfico "privilegiado" (art.33, §4.º, Lei 11.343/06) exige fundamentação concreta. Ausente fundamentação, ou em sendo a fundamentação inidônea, deve incidir a redutora à razão máxima de 2/3.

O artigo §4º do artigo 33 da Lei 11.343/06 (Lei de Drogas) prevê uma causa de diminuição da pena nas hipóteses em que o delito de tráfico é praticado por agente primário, de bons antecedentes, e que não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

Tal instituto é equivocadamente intitulado tráfico privilegiado, vez que se trata de minorante (causa de diminuição, com previsão de frações redutoras expressas na lei) e não de privilegiadora (novo apenamento - novas penas mínimas e máximas - cominado em patamar inferior).

Presentes os requisitos legais acima descritos, o acusado tem direito subjetivo à redução de suas penas de um sexto a dois terços.

Tratando-se de minorante, o benefício deve incidir naturalmente à fração máxima, devendo a imposição de fração inferior a 2/3 ser devidamente fundamentada pelo julgador.

Nesse sentido já se manifestou o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Estado do Rio Grande do Sul:

LEI Nº 11.343/06. DROGAS. ART. 33, § 4º. TRÁFICO PRIVILEGIADO. EXISTÊNCIA DO FATO E AUTORIA. Apreensão de uma trouxinha de cocaína pesando 7g, 14 pedras de crack pesando 1,5g e uma trouxinha de crack pesando 0,5g, com dois denunciados. Um deles absolvido, e o outro alega porte para uso próprio. Prova confiável e bem examinada, para manutenção da condenação. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. Fixada no mínimo legal. FORMA PRIVILEGIADA. FRAÇÃO DE DESCONTO. Se a Lei coloca dois limites para a redução, a falta de demonstração dos motivos para a redução mínima já seria motivo suficiente para correção, para a fração máxima. Além disso, sem expressividade a quantidade de droga apreendida. Adotada a fração de dois terços, a redução máxima. REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA. O crime de tráfico privilegiado não é hediondo, e o regime regula-se pelo Código Penal. Condições pessoais favoráveis, e pena mínima, autorizam regime aberto. PENAS SUBSTITUTIVAS. Já não há mais discussão a respeito da possibilidade de substituição. Considerando a quantidade da pena, duas substitutivas, prestação de serviços à comunidade e limitação de fim de semana. PENA DE MULTA. Deve merecer a redução tal qual a pena privativa de liberdade. APELO DEFENSIVO PROVIDO, EM PARTE. UNÂNIME. (Apelação Crime Nº 70048771216, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ivan Leomar Bruxel, Julgado em 28/02/2013)

APELAÇÃO CRIMINAL. RECURSOs DEFENSIVOs. TRÁFICO DE DROGAS. ART. 33, LEI N.º 11.343/06. PROVA. TRÁFICO. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO. Comprovadas a autoria e a materialidade do crime de tráfico através da prova produzida sob o contraditório judicial, mediante o depoimento idôneo dos policiais, bem como demonstrado, pelas circunstâncias do flagrante, que a droga era destinada ao comércio, é de ser mantida a condenação dos réus. TRÁFICO PRIVILEGIADO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITO. REGIME INICIAL ABERTO. Reconhecida a privilegiadora do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 pela sentença, aplica-se a redução da pena na fração máxima de 2/3, em sendo todas as circunstâncias favoráveis, a ambos os réus. Substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, uma vez preenchidos os requisitos do art. 44 do CP. Regime inicial aberto para o cumprimento da pena privativa de liberdade. RECURSOS PROVIDOS, EM PARTE. (Apelação Crime Nº 70048099113, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Catarina Rita Krieger Martins, Julgado em 11/10/2012)
Parece ser o óbvio, face à diretriz constitucional insculpida no artigo 93, IX, da Constituição Federal, segundo o qual devem ser fundamentadas todas as decisões judiciais, e tanto mais em se tratando de restrição a direito subjetivo do acusado. A prática forense, porém, mostra que tal não é a regra ordinariamente observada nas decisões judiciais, sendo frequente a arbitrária fixação da redução em 1/6, 1/3, 1/2, sem qualquer motivação acerca do porquê da incidência de fração menor que a máxima prevista em lei.

Em outras situações até há alguma fundamentação, porém sucinta e genérica, restrita muitas vezes a um "entende-se por proporcional e razoável" ou "em face da gravidade do delito".

A questão a ser suscitada é que tal praxe é equivocada e comporta meios de impugnação, seja via recursal, seja mediante ações impugnatórias.

Nesse sentido:

REVISÃO CRIMINAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES PRIVILEGIADO. SENTENÇA CONDENATÓRIA CONTRÁRIA À EVIDÊNCIA DOS AUTOS NÃO VERIFICADA. REDIMENSIONAMENTO DA FRAÇÃO DA MINORANTE. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. Conhecimento. Veiculada revisional com fundamento no art. 621, I, do Código de Processo Penal, ainda que tal não seja acolhido, impõe o conhecimento da demanda. Absolvição. Impossibilidade. A sentença condenatória está devidamente alicerçada na prova carreada aos autos, analisada em primeira instância e confirmada por órgão colegiado, não havendo falar em contrariedade à evidência dos autos. Redimensionamento da fração da privilegiadora. Cabe redimensionar para o máximo legal a fração de diminuição da pena referente à privilegiadora reconhecida. No caso, a requerente é primária e a pena-base foi fixada no mínimo legal, não tendo sido consideradas reprováveis, portanto, as circunstâncias judiciais. Regime inicial de cumprimento de pena. O Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidiu, ainda que de forma incidental, pela inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei nº 8.072/90 com a redação dada pela Lei nº 11.464/2007 (HC 111840/ES). Logo, é possível a fixação de regime mais brando aos condenados por crimes hediondos e equiparados, observados os demais critérios do art. 33 do Código Penal. Substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Cabimento. Restou assentada pelo Supremo Tribunal Federal a inexistência de impedimento à concessão do benefício. Desta forma, preenchidos os requisitos legais, é impositivo o deferimento da substituição, em atenção à individualização da pena. REVISÃO CRIMINAL JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. POR MAIORIA. (Revisão Criminal Nº 70054936141, Segundo Grupo de Câmaras Criminais, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Diogenes Vicente Hassan Ribeiro, Julgado em 14/03/2014)

Em resumo, induvidosa é a necessidade de fundamentação concreta para restringir-se a fração redutora, e ausente fundamentação idônea deve fazer-se incidir a fração redutora máxima, a saber, 2/3.

E aqui surge o desafio que discutiremos em breve.

Afinal, se a fundamentação concreta é necessária, qual ou quais os critérios de que pode se valer o julgador para determinar o quantum da redutora?

Em breve prosseguiremos neste tema...

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