quarta-feira, 21 de maio de 2014

Critérios para a fixação do regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade

Ao proceder-se na fixação do regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade, necessário observar: a qualidade da pena privativa de liberdade (artigo 33, caput, CP); a quantidade de pena privativa de liberdade aplicada (artigo 33, §2.º, CP); a reincidência (artigo 33, §2.º, CP); e as circunstâncias judicais (artigos 33, §3.º e 59, caput e inciso III, CP, e enunciado n.º 269 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça)
A fixação do regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade é questão que sob um olhar mais superficial aparenta ser de uma simplicidade quase aritmética; à observação mais atenta, no entanto, descobre-se ser tema permeado de alguns pontos controvertidos (aliás, como sói ocorrer em diversos temas do Direito Penal e Processual Penal).

Com efeito, sobre a matéria dispõe o Código Penal:
Art. 33 - A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 1º - Considera-se: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
a) regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média;
b) regime semi-aberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar;
c) regime aberto a execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento adequado.
§ 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado;
b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto;
c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.
(...) 

E diante do texto normativo, um leitor desavisado poderia chegar à rápida conclusão de que para se definir o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade bastaria olhar para o apenamento aplicado em sua qualidade (detenção ou reclusão) e quantidade (pena igual ou inferior a quatro anos; pena superior a quatro anos e que não excede a oito anos;superior a oito anos de reclusão).

Um leitor um pouco mais atento ainda verificaria que, além da qualidade e quantidade da pena aplicada, é preciso observar a uma condição relacionada ao condenado, qual seja, se é reincidente ou não.

E neste ponto, cumpre afastar de imediato uma conclusão a que nos induz (e de forma não acidental!) o texto legal referido, a saber, a ideia de que ao reincidente se aplica sempre o regime inicial mais gravoso (se reclusão, fechado; se detenção, semiaberto).

De fato, tal era uma clara intenção do legislador penal de 1940 (por isso alertei que não se trata de uma redação acidental!) para o qual o reincidente, como regra, sempre deveria cumprir a pena no regime inicial mais gravoso, eis que para incidirem os regimes menos gravosos impunha-se como requisito ser o condenado "não reincidente".

No entanto, a jurisprudência ao longo do tempo abrandou tal sistema, passando a admitir a fixação regime semiaberto para os condenados que, embora reincidentes, receberam penas inferiores a 04 (quatro) anos de reclusão. Da mesma forma, aos condenados a pena de detenção igual ou inferior a 04 anos, ainda que reincidentes, passou-se a admitir o regime inicial aberto (afinal, onde a mesma razão, o mesmo direito!).

Tal entendimento jurisprudencial, acabou por consolidar-se, sendo inclusive confirmado pelo enunciado n.º 269 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, publicado em 29 de maio de 2002,  nos termos do qual:
É admissível a adoção do regime prisional semi-aberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judiciais. (destaquei)

E até este ponto, embora observados os ajustes oriundos da jurisprudência, é provável que ainda exsurja ao leitor como adequada a afirmação de que determinantes na fixação do regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade são sua qualidade (reclusão ou detenção) e quantidade  (pena igual ou inferior a quatro anos; pena superior a quatro anos e que não excede a oito anos;superior a oito anos de reclusão), e também a condição pessoal do acusado (reincidente ou não). Tal conclusão, porém, é equivocada.

E a indicação de que há outros elementos a se considerar na fixação do regime inicial (o leitor mais atento já deve ter percebido!) consta no próprio enunciado jurisprudencial do STJ, afinal:

É admissível a adoção do regime prisional semi-aberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos SE FAVORÁVEIS AS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS.
Com efeito, assim dispõe o artigo 59 do Código Penal:
Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
(...)
III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
(...)
E o próprio artigo 33, em um daqueles parágrafos ao qual não  se dá maior importância em uma leitura superficial, enuncia:
Art. 33 - (...)
§ 3º - A determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
(...)

Daí, concluí-se que além da qualidade (reclusão ou detenção) e da quantidade (pena igual ou inferior a quatro anos; pena superior a quatro anos e que não excede a oito anos;superior a oito anos de reclusão) da pena aplicada;  da condição pessoal do acusado (reincidente ou não)  e da observação do abrandamento jurisprudencial (enunciado n.º 269 da Súmula do STJ); é preciso que o julgador, ao fixar o regime inicial de cumprimento da pena, atente para as circunstâncias judicais  do artigo 59, do Código Penal (culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do agente; motivos, circunstâncias e consequências do crime; e comportamento da vítima).

Mais do que isso, conforme se extrai dos dispositivos legais transcritos e do entendimento jurisprudencial colacionado, sendo as circunstâncias judiciais favoráveis poderá o magistrado fixar regime inicial menos gravoso (aliás, é o que dispõe o enunciado n.º 269 da Súmula do STJ).

Mas não é somente isso! Devendo as circunstâncias judiciais ser consideradas na fixação do regime inicial de cumprimento da pena, SENDO DESFAVORÁVEIS  AS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS (ou adulterando o enunciado nº 269 "se NÃO  favoráveis as circunstâncias judiciais") poderá o magistrado fixar regime inicial de cumprimento da pena mais gravoso (artigos 33,§3.º e 59, III, todos do Código Penal) que aquele recomendado pela qualidade e quantidade de pena (artigo 33, §2.º, CP).

Obviamente, para tanto, deverá o magistrado apresentar fundamentação idônea (artigo 93, IX, Constituição Federal), consubstanciada nas circunstâncias concretas do fato delituoso e da pessoa do autor do delito, não bastando a mera menção à gravidade abstrata do crime (nesse sentido: enunciados n.º 718 e 719 da Súmula do Supremo Tribunal Federal).

Não pode ainda o julgador, contraditoriamente, fixar a pena-base (aquela que é fixada na primeira etapa do método trifásico de aplicação da pena, de acordo com as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal) no mínimo legal e, em seguida, fixar regime inicial mais gravoso por considerar as circunstâncias judiciais  do artigo 59, do Código Penal, desfavoráveis (enunciado n.º 440 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça).

Sintetizando, para fixar o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade, deve-se atentar para:

  • a qualidade da pena privativa de liberdade (reclusão ou detenção) - artigo 33, caput, CP; 
  • a quantidade de pena privativa de liberdade  aplicada (pena igual ou inferior a quatro anos; pena superior a quatro anos e que não excede a oito anos;superior a oito anos de reclusão) - artigo 33, §2.º, CP; 
  • a condição pessoal do acusado (reincidente ou não) - artigo 33, §2.º, CP; e 
  • as circunstâncias judiciais  do artigo 59, do Código Penal (se favoráveis, possível fixar regime inicial menos gravoso; se desfavoráveis, possível fixar regime inicial mais gravoso) - artigos 33, §3.º e 59, caput e inciso III, CP, e enunciado n.º 269 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.

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