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Do Diário Gaúcho,
Reportagem Especial de Eduardo Torres
Rapaz de 18 anos foi vítima de meningite, de negligência e da estrutura precária do Central. Em média, a cada quatro dias um caso semelhante ocorre no Estado.
Quando o portão de ferro bateu atrás de si, a faxineira Cléria Ries, 48 anos, viu o inferno se abrir. Era final de novembro, e pela primeira vez ela visitava o filho Lorival Ries Medeiros, 18 anos, no Presídio Central.
No pátio, onde sentou-se para comer um bolo com o jovem, os canos abertos deixavam a água do esgoto e as fezes saltarem até valas em que ratos e baratas corriam. Vivendo como aqueles ratos, Lorival morreu duas semanas depois, na quinta passada.
COLCHÃO PERTO DA VALA
Meningite bacteriana é a causa da morte no atestado de óbito do Hospital Vila Nova. Preso em flagrante em Cachoeirinha pela primeira vez por envolvimento com o tráfico, Lorival entrou sadio no presídio.
Ficou em uma cela com 26 pessoas, em um colchão fino no chão, à beira da vala. Só saiu, segundo a mãe, após um companheiro de cela quase iniciar uma rebelião e chamar a atenção dos guardas. Ele havia passado a madrugada com uma toalha molhada na cabeça de Lorival, que ainda passou três dias em coma.
MÃE SOUBE DA MORTE POR TELEFONE
Cléria não soube de nada disso. Só foi comunicada da morte, por telefone, na noite de quinta. Ela pressentia o pior.
– Ele ardia em febre, estava pálido. Parecia que ia desmaiar a última vez que eu vi meu filho vivo. Essa imagem não sai da minha memória – diz a mãe, sem conter as lágrimas.
Cléria diz que passou quatro dias ligando para o presídio. Primeiro, lhe informaram que Lorival havia sido medicado na enfermaria.
No dia da morte, lhe disseram que o rapaz havia voltado à cela. Cléria queria detalhes, mas ouviu de um agente:
– Preso é preso.
Horas depois, ela soube da perda:
– Ele pode ter errado, mas ninguém tem esse direito, tratar pessoas como elas são tratadas naquele lugar. Quero evitar que outras mães sofram.
Há alguns dias, um advogado amigo da família empenhou-se na soltura do rapaz. A garantia era de que Lorival estaria de volta à casa antes do dia 25. Mas o pinheiro de Natal na casa da Vila Anair, em Cachoeirinha, este ano vai ficar guardado na caixa.
– Ele (filho) me pediu para não montar o pinheiro, que a gente faria isso juntos – conta a mãe.
Mesmo com dores de cabeça desde 28 de novembro, o jovem, de acordo com mãe, nunca foi levado à enfermaria.
Lorival, entre as celas, era chamado de “franguinho novo”. A cada visita, a mãe levava, além de comida, algum dinheiro, que ele dizia ser necessário para pagar sua segurança.
A CADA MÊS, PELO MENOS SEIS MORTES
A morte de Lorival não surpreende o Juiz da Vara de Execuções Criminais, Sidinei José Brzuska. Uma lista contabiliza, nos últimos 18 meses, pelo menos 120 mortes consideradas por causas naturais no sistema carcerário gaúcho – média de quase sete por mês não devido à violência mas, provavelmente, por falta de estrutura das cadeias.
– Chama a atenção o grande número de mortes explicadas por insuficiência respiratória. A causa está no ambiente do presídio – avalia o juiz.
Segundo ele, o problema estaria nas más condições sanitárias e nos problemas que levam à entrada de drogas e telefones celulares.
O superintendente adjunto da Susepe, coronel Afonso Auler, diz que estão sendo feitas "as devidas apurações" do caso:
– Não temos conhecimento de foco de meningite no presídio, inclusive com dados do nosso laboratório para detecção de tuberculose instalado no Central.
A PRECARIEDADE DO PRESÍDIO CENTRAL
- Em 1995, o Ministério Público solicitou pela primeira vez a interdição parcial do Presídio Central, por “condições desumanas”.
- Cada cela foi projetada para abrigar oito presos. Em 2004, tinham, em média, 18 presos. Em 2008, subiu para 26 por cela.
- Novos pedidos de interdição foram feitos em 1999, 2004 e 2008. Nunca foram cumpridos.
- Mês passado, a Justiça definiu que o Central não receberia mais presos dos regimes aberto e semiaberto, apenas presos em flagrante.
- O Central tem, hoje, 5.135 presos. Em 1995, eram 1.773 – crescimento de 189,6%.