Luiz Flávio Gomes /Natália Macedo*
Tal como os reatores nucleares japoneses atingidos pelo tsunami e pelo terremoto o sistema penitenciário brasileiro é uma bomba-relógio que corre o seríssimo risco de gerar incontáveis explosões, com tragédias humanas incalculáveis. Contra as barbáries nas prisões brasileiras fica lançada nossa Campanha.
São mais de 500 mil presos amontoados em cerca de 300 mil vagas (dados do CNJ). Ou seja, temos hoje um déficit de mais ou menos 200 mil vagas no sistema. Onde deveriam estar recolhidos dez presos, temos dezesseis. Onde deveriam estar 100, temos 160 (veja a pesquisa completa sobre o Sistema Penitenciário).
O Brasil é o campeão do mundo em crescimento populacional carcerário (de 1990 a 2010 aumentou 450%). Nenhum país do mundo, nem sequer os EUA, que continuam com o maior número de presidiários do planeta (mais de 2 milhões), aumentou tanto como o Brasil, que é o quarto país neste item, ficando atrás somente dos EUA, China e Rússia.
O senso comum diz que deveríamos construir mais presídios. De imediato precisaríamos de 400 unidades (de 500 presos) só para atender o déficit corrente. Ocorre que ainda existem, pendentes de cumprimento, milhares de mandados de prisão. A construção de presídios não é, portanto, a solução para o problema, que é muito mais complexo do que aparenta.
Quarenta e quatro por cento (44%) dos presos são provisórios (em 1990 esse número era 18% – cf. www.ipclfg.com.br). Não contam com condenação definitiva. Prende-se hoje muito mais e com bastante facilidade, inclusive os que não praticam crimes violentos. Boa parte desses presos provisórios está depositada em delegacias de polícia (cerca de 57 mil).
Superlotação, tortura, doenças, animalidades, brutalizações, humilhações, tráfico de drogas, assassinatos, corrupção, fortalecimento do crime organizado etc.: esse é o retrato dos nossos presídios, um retorno à barbárie da Idade Média. Verdadeiras máquinas de produção de terror, com penalidades absolutamente incivilizadas.
Não temos que ser tolerantes com o crime, mas não era preciso tanto retrocesso humanitário, tanta desumanidade e tanta indiferença, a ponto de o Estado se transformar num agente criminoso, como reconheceu o Presidente do STF, ministro Cezar Peluso, que disse: “O sistema prisional não funciona. Há certos casos em que o que se faz ao preso é um crime do Estado contra o cidadão”.
Desde o princípio dos anos 90 há um claro abandono da finalidade de recuperação do preso. O sistema praticamente nada mais faz para sua reinserção social. Do velho modelo prisional disciplinar/correcional passamos para o padrão da prisão-jaula, que lembra ou até supera as masmorras medievais. Nossas prisões não são centros de recuperação, sim, escolas do crime organizado. Pagamos caro para treinar gente não violenta a se transformar em soldado do crime organizado.
Choque de racionalidade, expurgo dos excessos, eliminação das atrocidades: somente assim se poderia desativar essa estrondosa bomba-relógio, cujos efeitos deletérios são mais do que anunciáveis. Há muita gente perigosa que está fora e muita gente não perigosa que está dentro. A irracionalidade do sistema é brutal. Não pode continuar com tanta indiferença.
A prisão do futuro deve ser reservada exclusivamente para condenados que representem concreto risco de violência para a sociedade. No mais, todos os condenados devem cumprir prisão domiciliar com monitoramento eletrônico ou, simplesmente, outras penas alternativas. Nós brasileiros de 2011 seremos questionados pela vergonhosa desumanidade e indiferença frente à bomba-relógio do sistema penitenciário brasileiro.
* Texto de autoria do Professor Luiz Flávio Gomes e da Advogada Natália Macedo publicado no sítio virtual "Atualidades do Direito".
Fonte: Atualidades do Direito, acesso em 02 de outubro de 2011
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